quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
HOMENAGEM AO PROF. LAURO DE OLIVEIRA LIMA FEITA PELA UECE
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.2958501339300.76476.1764532534&type=1https://www.facebook.com/media/set/?set=a.2958501339300.76476.1764532534&type=1
O bom papel do intelectual: agitador social•
Emocionante o depoimento do Amaral, um dos grandes amigos do meu pai,
O bom papel do intelectual: agitador social•
Roberto Amaral
http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Amaral
https://www.facebook.com/roberto.amaral.798
Da personalidade riquíssima, multifacetada --e muitas vezes
desconcertante de Lauro Oliveira Lima-- destaco aquela característica
que mais me marcou e fascinou: a do pioneiro. Emprego o termo querendo
pôr em relevo seu caráter mais essencial. Designo aquele desbravador que
está fora do tempo, do seu tempo, antecipando-o (como os poetas, os
cientistas e os visionários), e, portanto, chocando-se, porque o novo
incomoda, a dúvida incomoda e as mudanças são sempre perigosas para os
inseguros.
Aliás, eis um caráter distintivo do intelectual
militante: o comprometimento com a mudança, a intervenção na realidade, o
desprezo pela tradição, o inconformismo com o statu quo. O intelectual
pioneiro -– e estamos em face de uma quase redundância— não teme ser
temerário, conquanto que jamais seja omisso.
Assim, o pioneiro,
qualquer pioneiro é, por definição um gauche, uma amolação, pois sua
efervescência, por si só, denuncia a pasmaceira, a renovação denuncia o
comodismo, o revolucionarismo denuncia o conservadorismo. Encontro
agora o ponto mais distintivo de Lauro: sem ser necessariamente um homem
de esquerda ---e eu o conheci udenista--- foi sempre e é –- como
educador, como escritor, como intelectual-- um anti-conservador por
excelência, um demolidor da paz, da 'ordem natural das coisas', do
'estava-constituído', do statu quo. Uma onda de vento espalhando a
papelada bem arrumadinha da burocracia, um redemoinho na ordem
pré-estabelecida. Incomodando, portanto. Esse papel de um quase
iconoclasta não deriva de boutade. Ora, ocorre que o assentado necessita
da imobilidade e Lauro jamais arrefeceu diante das resistências. Eu
sempre o vi abrindo caminho, forçando passagens, brigando, discutindo,
reclamando, mas, acima de tudo, confiando no outro, estimulando-o,
sinceramente convencido de sua missão de construtor. Construtor de
homens. Este o grande mérito de sua pedagogia.
A partir de uma
formação educacional-formal conservadora ---o Seminário, como quase
todos os de sua classe no Limoeiro do Norte do seu tempo--- Lauro,
fez-se intelectual nos embates da vida. Mas armou-se desde cedo daquela
característica que separa o simplesmente erudito do verdadeiramente
culto: nele a dúvida, mais que um método de pesquisa e análise, é o
caminho do conhecimento que leva à intervenção. Conhecer para modificar.
Ou seja, na melhor tradição daqueles intelectuais que foram beber água
na fonte do Iluminismo: nada de verdades acabadas; relativizar sempre as
certezas, exercer sempre a contradição, procurar o desconhecido, pôr em
xeque o nosso conhecimento e as nossas idéias confrontando-as com as
idéias e os conhecimentos que as negam e contradizem.
Depois de
professor, foi didata; depois de didata foi pedagogo, depois de pedagogo
foi pensador, repensando a educação de seu país. Começando pela cátedra
(isto é, a experiência prática, fatual objetiva), para terminar na
formulação. Não terá sido mero acaso, por tudo isso, que o hoje
doutrinador consagrado, o autor do já clássico Escola secundária moderna
tenha começado com o projeto concreto de reformulação do ensino público
no Ceará e a montagem de uma escola particular. Sem nenhuma
contradição.
Talvez eu incida numa heresia ao afirmar como afirmo
agora que este professor jamais teve a sala de aula, no sentido da
cátedra e das quatro paredes, como o seu espaço preferido de trabalho.
Ao contrário, sempre privilegiou estar atrás do que estava atrás da
sala, sem ocupar o proscênio: a discussão dos métodos, a discussão dos
conteúdos, a discussão em torno do que dizer e como dizer, fazendo da
sala de aula não apenas a máquina retransmissora de conhecimentos, mas o
instrumento dialético-vivencial formador de homens e opiniões. Repito
de memória -- lá se vão tantos anos que nem vale a pena contar-- o que,
se me recordo bem, era o seu lema e o lema que imprimia o seu Ginásio
Agapito dos Santos, onde intentou pôr à prova, como cientista que se
dedica à demonstração experimental, suas teorias educativas: Non
scholae sed vita discimus.
Essa inquietude fez do educador também
um jornalista --outro magistério-- de combate, um cronista de seu tempo,
bacamarte apontando permanentemente para o tradicional e o
convencional. Ficaram famosas do público cearense --embora muitas vezes
provocando mal-estares na cúpula do jornal-- as crônicas de Kleber
Santos no O Povo, de Fortaleza (e quando elas serão reunidas em volume,
para salvarem-se da dispersão e da vida efêmera das folhas?). O cronista
trouxe à luz o crítico fino, irônico, o raciocínio arguto enluvado por
uma prosa leve, saborosa mas contundente quando se tratava de ir fundo
na questão. Nas mãos deste anatomista o bisturi atingia as profundezas
da crítica.
Jamais conheceu o meio termo, fazendo, dizendo, agindo,
ou pensando. Nunca se preocupou com o consenso, com a isenção. Se não
lhe atraía provocar a malquerença, posso dizer, jamais cultivou as
amizades fáceis. Optando sempre, escolhendo sempre, definindo-se sempre,
exige a definição dos que o cercam; à isenção, ao distanciamento
falsamente científico, responde como um apaixonado pelas coisas que faz,
irradiando inimizades e paixões por onde tem passado. Por isso é um
homem de poucos amigos, mas de amigos fiéis.
Essa inquietude fez de
Lauro ---e é isso o que estou querendo dizer-- um político, sem jamais
institucionalizar-se, ou ceder à tentação de sentar na cadeira do
‘medalhão’, ao contrário de tantos e quantos colegas de geração menos
dotados de engenho e arte. Na sala de aula não fez mais que política.
Sua obra é a busca de uma política de ensino. Diretor ou chefe da
Seccional do Ministério da Educação no Ceará, dirigiu-a perseguindo
políticas. Sua luta como Diretor do Ensino Secundário, no MEC, ao tempo
de Paulo de Tarso e Darcy Ribeiro, foi dotar nosso país, de particular o
ensino público, a escola pública, de uma política de ensino que visava
não só à excelência da formação, como à democratização, via
universalização, do acesso de todo brasileiro a esse novo ensino.
Relembro a unidade universalização-excelência para garantir a
democratização.
Quando quase tudo havia feito, quando quase tudo
havia escrito, decidiu fazer política de corpo inteiro, candidatando-se a
deputado federal pelo PSB do Ceará.
Terá sido esta experiência um
fato isolado, inconseqüente? Parece-me que não. Destaca ela, ao
contrário, no teórico da educação, o objetivo que sempre perseguiu, na
cátedra, no cargo público, na formulação como escritor e jornalista:
intervir na realidade para transformá-la. Certamente sem consciência
desse papel --desconfio de que jamais leu um texto de Marx--, sua vida
toda tem sido responder afirmativamente à 11ª tese contra Feuerbach: "Os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe
transformá-lo".
Qual o objetivo de sua pedagogia? Mudar o mundo.
Como? Mudando o homem através do conhecimento ativo, voltado para a
mudança. O conhecimento, a informação, a técnica destinados a
transformar a realidade, fazendo-a menos iníqua. Portanto, tinha toda a
razão a direita cearense quando, ecoando no Sul, o ferrava como agitador
social. Não sei se ele gostará dessa afirmação, mas estou convencido de
que este foi o mais importante dos papéis que desempenhou, agitando a
província pachorra, mexendo com uma elite perversa, retrógrada,
atrasada, fútil, incompetente, uma classe-média amedrontada,
conservadora, um clero inculto e reacionário, um proletariado incipiente
controlado pelas organizações burocráticas, um mundo agrário sem vida,
dominado por coronéis decadentes, povoado de camponeses famintos
derrotados sem luta, pois antes do latifúndio já os mata a seca. Vida
intelectual ativa quase nenhuma. Vida política cingida por partidos
políticos vencidos. Imprensa provinciana presa às tetas do governo,
qualquer governo, ensino público primário e secundário aviltado,
universidade provinciana em formação e já perseguindo os caminhos
errados que a levariam nacionalmente ao colapso de hoje.
Voltemos ao
tema ‘mudar o homem’. Tenho a impressão de que todo educador alimenta
esse objetivo, ainda que dele não tenha, necessariamente, consciência.
Não se trata simplesmente de passar e repassar conhecimentos destinados à
breve caducidade na sociedade tecnológica. Trata-se de ensinar a vida.
Procuro aí uma explicação para que o schollar da escola secundária
moderna se tenha voltado, piagetianamente, para o ensino de crianças, do
pré-primário, com um olho nos pequenos estudantes e outros nos pais,
nas famílias recalcitrantes diante de qualquer infração à rotina, ao
tradicional, ao tradicionalismo. E a escola tradicional – e ela impera
no Brasil, principalmente a pública, a única que enseja a presença do
pobre e pode assim contribuir para a democratização— é incompetente,
insatisfatória e reacionária, num processo de piora notável, que mais se
agudiza quanto mais os últimos representantes da classe média correm
para a escola privada. É assim que a sociedade de classes aprofunda a
desigualdade de classes.
Conheci e convivi com Lauro em
diversificados momentos de nossas vidas. Muito menino, no Ginásio Farias
Brito, onde cursava o primário, e Lauro assumiu a direção pedagógica do
estabelecimento. No seu Agapito dos Santos, onde fiz o curso ginasial,
como seu aluno de latim e português. Mais tarde, na universidade, eu
líder estudantil esquerdista e Lauro educador/intelectual progressista
no Ceará atrasadíssimo e, logo a seguir, diretor do MEC, onde tentamos
um livro em comum cujos originais, que jamais lograram conhecer os
prelos, terminaram por engrossar os dossiês dos muitos inquéritos que
cada um de nós por seu lado respondeu depois dos idos de março de 1964.
No MEC foi alcançado pela repressão que o homenageou com a cassação dos
direitos políticos e o puniu com aposentadoria compulsória e
proporcional. Que melhor reconhecimento quereria ele do acerto de sua
obra? A terceira ou segunda fase de nossa convivência se deu nos anos de
chumbo. Quase-clandestino e quase-exilado dentro de meu país, a caminho
de um exílio no exterior que os fados decidiram frustrar, fui
reencontrá-lo no Rio, saída obrigatória, na dura tarefa de assegurar a
própria sobrevivência sua e de sua família. Aí emergiu um outro lado de
seu caráter pessoalíssimo: o amigo generoso.
O meu reconhecimento
pelo seu significado tentei, com lucro, demonstrar da única forma que me
pareceu objetiva. Entregando-lhe, na Escola piagetiana que montaria no
Rio, a educação (formação) de meus três filhos. Que me ficaram gratos.
(1996)
O bom papel do intelectual: agitador social•
Roberto Amaral
Da personalidade riquíssima, multifacetada --e muitas vezes
desconcertante de Lauro Oliveira Lima-- destaco aquela característica
que mais me marcou e fascinou: a do pioneiro. Emprego o termo querendo
pôr em relevo seu caráter mais essencial. Designo aquele desbravador que
está fora do tempo, do seu tempo, antecipando-o (como os poetas, os
cientistas e os visionários), e, portanto, chocando-se, porque o novo
incomoda, a dúvida incomoda e as mudanças são sempre perigosas para os
inseguros.
Aliás, eis um caráter distintivo do intelectual
militante: o comprometimento com a mudança, a intervenção na realidade, o
desprezo pela tradição, o inconformismo com o statu quo. O intelectual
pioneiro -– e estamos em face de uma quase redundância— não teme ser
temerário, conquanto que jamais seja omisso.
Assim, o pioneiro,
qualquer pioneiro é, por definição um gauche, uma amolação, pois sua
efervescência, por si só, denuncia a pasmaceira, a renovação denuncia o
comodismo, o revolucionarismo denuncia o conservadorismo. Encontro
agora o ponto mais distintivo de Lauro: sem ser necessariamente um homem
de esquerda ---e eu o conheci udenista--- foi sempre e é –- como
educador, como escritor, como intelectual-- um anti-conservador por
excelência, um demolidor da paz, da 'ordem natural das coisas', do
'estava-constituído', do statu quo. Uma onda de vento espalhando a
papelada bem arrumadinha da burocracia, um redemoinho na ordem
pré-estabelecida. Incomodando, portanto. Esse papel de um quase
iconoclasta não deriva de boutade. Ora, ocorre que o assentado necessita
da imobilidade e Lauro jamais arrefeceu diante das resistências. Eu
sempre o vi abrindo caminho, forçando passagens, brigando, discutindo,
reclamando, mas, acima de tudo, confiando no outro, estimulando-o,
sinceramente convencido de sua missão de construtor. Construtor de
homens. Este o grande mérito de sua pedagogia.
A partir de uma
formação educacional-formal conservadora ---o Seminário, como quase
todos os de sua classe no Limoeiro do Norte do seu tempo--- Lauro,
fez-se intelectual nos embates da vida. Mas armou-se desde cedo daquela
característica que separa o simplesmente erudito do verdadeiramente
culto: nele a dúvida, mais que um método de pesquisa e análise, é o
caminho do conhecimento que leva à intervenção. Conhecer para modificar.
Ou seja, na melhor tradição daqueles intelectuais que foram beber água
na fonte do Iluminismo: nada de verdades acabadas; relativizar sempre as
certezas, exercer sempre a contradição, procurar o desconhecido, pôr em
xeque o nosso conhecimento e as nossas idéias confrontando-as com as
idéias e os conhecimentos que as negam e contradizem.
Depois de
professor, foi didata; depois de didata foi pedagogo, depois de pedagogo
foi pensador, repensando a educação de seu país. Começando pela cátedra
(isto é, a experiência prática, fatual objetiva), para terminar na
formulação. Não terá sido mero acaso, por tudo isso, que o hoje
doutrinador consagrado, o autor do já clássico Escola secundária moderna
tenha começado com o projeto concreto de reformulação do ensino público
no Ceará e a montagem de uma escola particular. Sem nenhuma
contradição.
Talvez eu incida numa heresia ao afirmar como afirmo
agora que este professor jamais teve a sala de aula, no sentido da
cátedra e das quatro paredes, como o seu espaço preferido de trabalho.
Ao contrário, sempre privilegiou estar atrás do que estava atrás da
sala, sem ocupar o proscênio: a discussão dos métodos, a discussão dos
conteúdos, a discussão em torno do que dizer e como dizer, fazendo da
sala de aula não apenas a máquina retransmissora de conhecimentos, mas o
instrumento dialético-vivencial formador de homens e opiniões. Repito
de memória -- lá se vão tantos anos que nem vale a pena contar-- o que,
se me recordo bem, era o seu lema e o lema que imprimia o seu Ginásio
Agapito dos Santos, onde intentou pôr à prova, como cientista que se
dedica à demonstração experimental, suas teorias educativas: Non
scholae sed vita discimus.
Essa inquietude fez do educador também
um jornalista --outro magistério-- de combate, um cronista de seu tempo,
bacamarte apontando permanentemente para o tradicional e o
convencional. Ficaram famosas do público cearense --embora muitas vezes
provocando mal-estares na cúpula do jornal-- as crônicas de Kleber
Santos no O Povo, de Fortaleza (e quando elas serão reunidas em volume,
para salvarem-se da dispersão e da vida efêmera das folhas?). O cronista
trouxe à luz o crítico fino, irônico, o raciocínio arguto enluvado por
uma prosa leve, saborosa mas contundente quando se tratava de ir fundo
na questão. Nas mãos deste anatomista o bisturi atingia as profundezas
da crítica.
Jamais conheceu o meio termo, fazendo, dizendo, agindo,
ou pensando. Nunca se preocupou com o consenso, com a isenção. Se não
lhe atraía provocar a malquerença, posso dizer, jamais cultivou as
amizades fáceis. Optando sempre, escolhendo sempre, definindo-se sempre,
exige a definição dos que o cercam; à isenção, ao distanciamento
falsamente científico, responde como um apaixonado pelas coisas que faz,
irradiando inimizades e paixões por onde tem passado. Por isso é um
homem de poucos amigos, mas de amigos fiéis.
Essa inquietude fez de
Lauro ---e é isso o que estou querendo dizer-- um político, sem jamais
institucionalizar-se, ou ceder à tentação de sentar na cadeira do
‘medalhão’, ao contrário de tantos e quantos colegas de geração menos
dotados de engenho e arte. Na sala de aula não fez mais que política.
Sua obra é a busca de uma política de ensino. Diretor ou chefe da
Seccional do Ministério da Educação no Ceará, dirigiu-a perseguindo
políticas. Sua luta como Diretor do Ensino Secundário, no MEC, ao tempo
de Paulo de Tarso e Darcy Ribeiro, foi dotar nosso país, de particular o
ensino público, a escola pública, de uma política de ensino que visava
não só à excelência da formação, como à democratização, via
universalização, do acesso de todo brasileiro a esse novo ensino.
Relembro a unidade universalização-excelência para garantir a
democratização.
Quando quase tudo havia feito, quando quase tudo
havia escrito, decidiu fazer política de corpo inteiro, candidatando-se a
deputado federal pelo PSB do Ceará.
Terá sido esta experiência um
fato isolado, inconseqüente? Parece-me que não. Destaca ela, ao
contrário, no teórico da educação, o objetivo que sempre perseguiu, na
cátedra, no cargo público, na formulação como escritor e jornalista:
intervir na realidade para transformá-la. Certamente sem consciência
desse papel --desconfio de que jamais leu um texto de Marx--, sua vida
toda tem sido responder afirmativamente à 11ª tese contra Feuerbach: "Os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe
transformá-lo".
Qual o objetivo de sua pedagogia? Mudar o mundo.
Como? Mudando o homem através do conhecimento ativo, voltado para a
mudança. O conhecimento, a informação, a técnica destinados a
transformar a realidade, fazendo-a menos iníqua. Portanto, tinha toda a
razão a direita cearense quando, ecoando no Sul, o ferrava como agitador
social. Não sei se ele gostará dessa afirmação, mas estou convencido de
que este foi o mais importante dos papéis que desempenhou, agitando a
província pachorra, mexendo com uma elite perversa, retrógrada,
atrasada, fútil, incompetente, uma classe-média amedrontada,
conservadora, um clero inculto e reacionário, um proletariado incipiente
controlado pelas organizações burocráticas, um mundo agrário sem vida,
dominado por coronéis decadentes, povoado de camponeses famintos
derrotados sem luta, pois antes do latifúndio já os mata a seca. Vida
intelectual ativa quase nenhuma. Vida política cingida por partidos
políticos vencidos. Imprensa provinciana presa às tetas do governo,
qualquer governo, ensino público primário e secundário aviltado,
universidade provinciana em formação e já perseguindo os caminhos
errados que a levariam nacionalmente ao colapso de hoje.
Voltemos ao
tema ‘mudar o homem’. Tenho a impressão de que todo educador alimenta
esse objetivo, ainda que dele não tenha, necessariamente, consciência.
Não se trata simplesmente de passar e repassar conhecimentos destinados à
breve caducidade na sociedade tecnológica. Trata-se de ensinar a vida.
Procuro aí uma explicação para que o schollar da escola secundária
moderna se tenha voltado, piagetianamente, para o ensino de crianças, do
pré-primário, com um olho nos pequenos estudantes e outros nos pais,
nas famílias recalcitrantes diante de qualquer infração à rotina, ao
tradicional, ao tradicionalismo. E a escola tradicional – e ela impera
no Brasil, principalmente a pública, a única que enseja a presença do
pobre e pode assim contribuir para a democratização— é incompetente,
insatisfatória e reacionária, num processo de piora notável, que mais se
agudiza quanto mais os últimos representantes da classe média correm
para a escola privada. É assim que a sociedade de classes aprofunda a
desigualdade de classes.
Conheci e convivi com Lauro em
diversificados momentos de nossas vidas. Muito menino, no Ginásio Farias
Brito, onde cursava o primário, e Lauro assumiu a direção pedagógica do
estabelecimento. No seu Agapito dos Santos, onde fiz o curso ginasial,
como seu aluno de latim e português. Mais tarde, na universidade, eu
líder estudantil esquerdista e Lauro educador/intelectual progressista
no Ceará atrasadíssimo e, logo a seguir, diretor do MEC, onde tentamos
um livro em comum cujos originais, que jamais lograram conhecer os
prelos, terminaram por engrossar os dossiês dos muitos inquéritos que
cada um de nós por seu lado respondeu depois dos idos de março de 1964.
No MEC foi alcançado pela repressão que o homenageou com a cassação dos
direitos políticos e o puniu com aposentadoria compulsória e
proporcional. Que melhor reconhecimento quereria ele do acerto de sua
obra? A terceira ou segunda fase de nossa convivência se deu nos anos de
chumbo. Quase-clandestino e quase-exilado dentro de meu país, a caminho
de um exílio no exterior que os fados decidiram frustrar, fui
reencontrá-lo no Rio, saída obrigatória, na dura tarefa de assegurar a
própria sobrevivência sua e de sua família. Aí emergiu um outro lado de
seu caráter pessoalíssimo: o amigo generoso.
O meu reconhecimento
pelo seu significado tentei, com lucro, demonstrar da única forma que me
pareceu objetiva. Entregando-lhe, na Escola piagetiana que montaria no
Rio, a educação (formação) de meus três filhos. Que me ficaram gratos.
(1996)
sábado, 23 de fevereiro de 2013
VAMOS CUIDAR DA ESCOLA PÚBLICA
O privado, o público e o papel do ESTADO.
Ora de aprender sobre democracia.
Dra. Adriana Oliveira Lima
O
final de um ano e o começo de outro é amargo para a educação. Os telejornais
colocam o IPVA, o IPTU e as escolas no mesmo saco do abuso e do roubo,
induzindo as famílias à tristeza ao despedirem-se de seus recursos natalinos em
pagamentos amedrontadores. Um consultor, numa TV fechada, diz após o jornalista
listar as contas de começo do ano (“IPTU, IPVA, Matricula de escola, material
escolar...”), a seguinte frase: “sabendo que tem que pagar esta porcariada
toda.” O anúncio de um banco propõe o parcelamento para por fim a esse
“pesadelo” – e, pasmem, a escola é um deles!
A questão histórica da educação
não foi a destruição da escola privada, mas a construção de uma escola pública
de qualidade. Nem sei se isso é possível, mas como educadora, jamais vi uma
reação tão histérica contra a escola privada. Democracia significa a
coexistência do privado e do público. Se tudo for público, o regime político
tem outro nome, são as ditaduras.
A Histeria pelo igualitarismo
tem se tornado uma doença nos dias de hoje. Numa rede social alguém denuncia um
assalto a um carro e é seguida por um comentário que pergunta qual era a marca
do carro e ainda diz que a culpa é dos ricos, por terem carros de luxo enquanto
outros passam fome...
A escola privada está sujeita
aos mercados e vale por sua capacidade de colocarem-se socialmente. Neste
sentido, os tubarões são grandes e a luta é árdua. Quando o governo despende
tanta energia em função da escola privada fico me perguntando que lógica é
esta. A regulamentação não pode ultrapassar os currículos e programas e as
condições de legalização. Daí para frente, que se submetam às ondas do mercado.
O Estado deve cuidar das coisas do Estado, que já são muitas!
É tanta regulamentação e
agressão, que a escola privada parece ser empurrada para ser “pública” o que
vale dizer, tornar-se medíocre. Que diabos de gana é essa sobre um mercado
não-prioritário para os governos e que por si só se regularia?
Existe muito que fazer no
sistema público para se conseguir oferecer uma escola de qualidade como alguns
países conseguiram (e são poucos, diga-se de passagem). Quando o governo sai
histericamente regulamentando e enquanto os “consumidores” tratam a escola como
um produto, o que conseguiremos obter mais rapidamente é a mediocrização da
escola privada. Teremos, então, uma fabulosa igualdade, um nivelamento por
baixo, fazendo o que pode produzir mais, produzir menos, para nos tornar uma
imensa massa amorfa de baixa qualidade.
Não
existe escola sem dinheiro. Não se produz conhecimento sem recurso, o que se
produz na miséria é alternativa de sobrevivência. O material precisa ser
tridimensional, precisa de cor; precisamos papel, tesouras... Precisamos muitas
coisas.
Sabem os consumidores o que
ocorre sob a égide do estado policial? Um Estado que sai legislando sobre o
privado para aplacar sua culpa de não oferecer um serviço com competência (a
boa escola) acaba por legislar sobre o que não é de sua competência. Como não
existe qualidade sem dinheiro, as escolas vão abandonando as práticas
educativas. Tem escola onde a criança pinta com tinta apenas uma vez ao ano!!!!
Tem escola que nem compra mais massa de modelar.
Mínguam os recursos, míngua a
pedagogia, míngua educação. Sem poder cobrar de seus clientes por conta da
regulamentação excessiva do estado (como, por exemplo, a absurda proteção aos
maus pagadores - inadimplência), a escola acaba com menos recursos pedagógicos
e isso se traduz em menos materiais pedagógicos a serem utilizados pelas
crianças.
VAMOS CUIDAR DA QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA, ISTO É URGENTE!!!!!!
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
ESCOLA NÃO É COMÉRCIO
Adriana Oliveira Lima
Às vezes somos tomados pelo
desânimo acerca dos destinos da educação. Não sabemos o que fazer diante de
tamanha tarefa. O Brasil tem várias redes paralelas de educação. Uma delas, as
chamadas pequenas escolas, constituem o principal lugar da formação do saber
pedagógico. As grandes ideias e a produção dos mais competentes materiais
pedagógicos têm sua origem e formação nessas escolas. Maria Montessori,
Freinet, Makarenko, Claparéde, Vygotsky e Pestalozzi, entre outros tantos,
tiveram seus trabalhos desenvolvidos em pequenas instituições - “laboratórios”
educacionais sofisticados. São estes educadores que produziram conhecimentos e
materiais educacionais que se constituíram como referência até os nossos dias.
Historicamente essas
escolas organizaram-se como produtoras de conhecimento. Elas foram líderes nas concepções pedagógicas.
Entretanto, vivemos hoje uma realidade distinta: pais que procuram a educação
como um “produto” e optam pelas escolas-hospitais (escolas muito limpas,
esterilizadas e competentes no ato de banhar e alimentar crianças). Buscam
ainda escolas gigantescas, com mega estruturas, sem sequer perguntar que uso
seu filho efetivamente fará destes recursos megalômanos. Os pais quase não
buscam mais as metodologias, não diferenciam discursos e acreditam comprar o
produto educação (incluindo as pessoas que regem as escolas).
A relação com a escola
passa a ser de consumidor e produto, inviabilizando os processos pedagógicos.
Os pais querem determinar o que estão comprando. Sendo um produto, a escola
deixa de ser um investimento. Os pais deixam de ser aliados importantes da
escola, parceiros nos destinos da educação dos filhos, para serem cobradores,
ou quase inimigos. A sociedade e os meios de comunicação fortalecem esta
agressividade na relação família-escola. Os bons processos educativos surgem e
gestam-se no amor e na amizade entre as famílias e a escola. Não se compra
dedicação e amor.
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