sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O SILÊNCIO CÔMODO PARA SITUAÇÕES INCÔMODAS

Dra Adriana Oliveira Lima

São muitas as situações especiais em que as crianças estão expostas de maneira cotidiana e que podem marca-las de maneira mais profunda e especial. Pode ser a perda de uma “velha” babá que estava com as crianças há muito tempo, pode ser o afastamento espacial de familiares com quem convivia, pode ser a morte real de um ente da convivência da criança. Pode, ainda, ser uma separação dos pais ou o nascimento de um irmão ou irmã.

Mas em que tais situações podem encontrar uma identidade? O sentimento que perpassa estas situações e o de “abandono”. Em todos estes contextos da vida em que estas situações aparecem a criança pode sentir-se abandonada (ou pelo menos é uma das muitas leituras que a criança pode fazer). Sendo ela, a criança, de natureza onipotente, centrada em si mesmo, poderá muito facilmente se achar a fonte e razão de todos os acontecimentos e talvez a culpa de todos os abandonos. É muito comum a criança calar frente aos acontecimentos. Isso se dá porque os adultos temem de tal forma falar sobre os eventos que induzem e/ou impõem o silêncio. Falar de morte nem pensar. As separações são silenciadas quando a criança quase sempre “sabe” intuitivamente TUDO que esta acontecendo entre os pais – crianças percebem nas entrelinhas, em pequenos gestos...

O nascimento de um irmão (a) é a fantasia máxima. Os pais fazem questão de afirmar que esta tudo muito bem, que o mais velho(a) “adora” o irmão (a) que ajuda a mãe a cuidar do bebê.

Primeiro pensemos a separação. É bom lembrar que o casal deixa de existir, mas a criança permanece tendo os pais. Pai e mãe devem partilhar os cuidados para que a criança sinta esta continuidade, que suas perdas não sejam as dos adultos. Mas esta maturidade é muito difícil. É frequente o jogo entre adultos que deixam as crianças à deriva nesta relação. Às vezes um dos cônjuges, muito frequentemente o pai, fica mais ausente. O primeiro passo para o equilíbrio desta difícil situação, é a garantia da permanência das condições econômicas em que a criança se insere. A responsabilidade imediata na separação é o primeiro passo para as responsabilidades emocionais-afetivas. Procurar não mudar muito a vida da criança quando é muito pequena de forma que as permanências auxiliem este momento complexo. Os mais velhos, após os 7/8 anos, deve-se conversar e explicar a separação sem tomar partido ou jogar um dos pais contra o outro. A criança terá aqueles pais para sempre e seus sentimentos serão inteiramente distintos do que o pai e a mãe sentem um pelo outro. Ouvir as angustias e medos da criança é muito importante, tentar enfrentar todas as questões por elas colocadas é o maior objetivo e o rumo para dar-lhe segurança quanto a realidade que viverá.

Quanto ao nascimento de bebês, é necessário não colocar na criança seu próprio desejo. Qualquer criança se sentirá insegura com a chegada de um bebê em casa. Sentirá perdendo algo que não precisava dividir. Sentirá dividindo os espaços, as mãos, os colos... A relação entre irmãos é uma construção social de longo prazo, normalmente cheia de conflitos. A negação dos pais frequentemente coloca os mais velhos em situação dolorosa.

A criança sente que TEM que gostar do bebê pois senão não mais será querida pelos pais. A criança começa a ser "escravizada": pegue isso, pegue aquilo...dê para seu irmãozinho...ele é pequenino...cuide do seu irmão... São inúmeras as situações em que o filho(a) mais velho consede espaços e objetos. É comum isto gerar uma certa melancolia.

Os pais precisam cuidar deste irmão mais velho. Precisam ser cuidadosos com a invasão que esta criança sofreu. O mais novo, não sabendo do que era a realidade sem irmão, pois já nasceu com irmão, deverá aprender a partilhar, a dividir a não ter tudo para si. Os pais deveriam fazer programações específica para cada filho, momentos em que podessem dedicar-se com exclusividade e trocar segredos e fazer pactos. Não se iludam deste mar de rosas...há sofrimento varrido para debaixo do tapete..

A perda de uma pessoa próxima. Quando é uma babá que se foi, apenas converse com a criança, mostre o que é mais permanente e mais fluido em suas vidas. Quanto a morte, até cerca de 9 anos a criança não tem a real noção do “para sempre” ou “nunca mais”. A ressurreição é uma expectativa bastante natural para os pequenos e assim explicar que alguém morreu pode repetir-se diversas vezes. Uma criança de 4 anos, perdeu o pai e após várias vezes explicada a ela que ele não voltaria ela perguntou “vamos acabar com esse Tempo de morrer?”. Assim, sempre que a criança falar, converse e explique que não mais voltará, mas que pode ver as fotos, conversar no pensamento e outras brincadeiras simbólicas. Até os 9 anos a criança não terá a total compreensão da morte. Os mais velhos, por volta dos 9 anos, (lembrar que os pequenos ao chegarem a esta idade a questão deve ser “re conversada”) devem conversar sobre esta perda e ser atendida em seu sofrimento, deixando-a chorar e perguntar.Claro que questões complexas como o suicídio, por exemplo, devem ser omitidos pois sua complexidade demanda abstrações para serem compreendidas. Numa idade mais avançada esta questão deve ser enfrentada pelos que cercam a criança.

3 comentários:

ana disse...

Maravilhoso texto, às vezes passamos despercebidos aos sentimentos das crianças.

Adriana Oliveira Lima disse...

Tenho visto tantos jovens passando por estas situações sem saber como lidar com os filhos. Espero ter contribuido para falar destas angústias

Érica Gaspar disse...

Nossa...contribuiu muito para uma melhor avaliação de contexto em que meu filho se encontra.Há momentos que sinto um certo desespero quanto a isso.
Meu filho tem 10 anos e sofre o impacto de minha separação,então todos os dias é uma busco alternativas para tornar este impacto mínimo.Gostei da sua colocação quando diz que não devemos falar mal do outro pra ele, bem eu jamais o jogueio contra o pai, e nem faria isso. enfim, sua abordagem é muita valiosa. parabéns!!